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Gaiola gourmet

Como convencer seres humanos (?) de que viver em um cortiço pode ser muito legal e chique?

Basta cobrar muito caro por isso, criar uma propaganda com jovens sorridentes e muitos adjetivos.

Habitar Habitat: Cortiço

Perto dos 35 minutos é dito que o aluguel de um quarto está entre 600 e 700 reais, para morar num cortiço!

Se para morar em um cortiço está custando este valor, obviamente, será fácil convencer as pessoas de que o Izi Pod é uma grande vantagem.

O mais curioso é que apesar das precárias condições dos cortiços apresentados no vídeo, todas as famílias possuem suas unidades privativas, alguns conseguem até ter seu próprio banheiro, coisa que não acontece no anúncio, onde as pessoas estarão cheirando os peidos dos que estiverem nas camas ao redor.

https://oglobo.globo.com/mundo/filhas-dos-gulags-sovieticos-ganham-direito-casas-em-moscou-24143387

Está cada vez mais inviável residir em prédios com condomínios. Quando estava na universidade havia uma produção em larga escala de torres, todas idênticas, e com condomínios tipo clubes. As construtoras competiam para ver quem oferecia mais atividades, havia empreendimentos com mais de 50 itens de “lazer”, obviamente, a maioria era só para encher lingüiça – parquinho para cachorro, trilha de caminhada, pomar, gazebo – esse tipo de coisa estúpida que a classe média acha o máximo. O que espanta é a incapacidade das pessoas em imaginar o quanto essa “Disneylândia” irá custar por mês além das parcelas do financiamento e demais despesas domésticas. Em Porto Alegre um conhecido pagava R$700,00 por mês só de condomínio, num empreendimento tipo MRV. Só entre condomínio e conta de luz chega-se perto dos mil reais, sem contar o aluguel, muitos condomínios custam mais do que o próprio aluguel.

O IPTU subiu, o IGPM idem. Imagine o susto da pessoa ao saber que, de repente, o aluguel irá aumentar R$200,00 de uma vez!

As possibilidades que restam é morar com os pais, mudar para bairros mais afastados, muitas vezes criando novas favelas, mudar para cidades do interior sem condições de absorver tantas pessoas em tão pouco tempo, ou aderir às moradias coletivas.

Quando meu marido fez intercâmbio na Austrália morou em apartamentos compartilhados, onde pagava-se, muitas vezes, não pelo quarto mas pela cama. Certa vez visitou um apartamento que estava anunciando vaga disponível, na entrada ele estranhou uma grande quantidade de pares de sapatos, assim que adentrou o imóvel a pessoa que o conduzia levou-o até à sacada do apartamento onde havia duas barracas, sendo uma delas a que ele poderia ocupar. Em um único apartamento habitavam mais de 10 pessoas, todos coreanos.

Esse tipo de situação acontece em muitos países, onde os governos criam leis que dificultam a construção e reforma de moradias, fazendo com que a oferta diminua, aumentando os preços e criando esse tipo de situação degradante, muito favorável aos especuladores imobiliários e também aos bancos, que fornecem os financiamentos.

Acumular infraestrutura em determinados locais e deixar outros completamente abandonados é uma tática proposital dos órgãos públicos que estão sempre atuando em benefício de empresas, grupos e indivíduos com muito dinheiro. Deslocar usuários de crack para os bairros que devem ser desvalorizados também é uma tática praticada pela parceria público-privada, assim os moradores fogem desses bairros e para isso aceitam vender seus imóveis a preço de banana para as incorporadoras. Logo onde havia casas levantam torres de apartamentos, gerando uma aglomeração desproporcional de pessoas, que a infraestrutura do local não é capaz de suprir. A rede de esgoto que antes era feita para comportar um bairro de X pessoas agora receberá os dejetos de cinco vezes X, o tráfego será congestionado, faltará vagas de estacionamento, nos horários de pico as pessoas enfrentarão grandes filas para comprar bens e serviços, os hospitais, escolas, parques serão mais disputados do que antes… Uma escola feita para uma população de X pessoas tem um espaço físico limitado, não adianta contratar mais professores se não há espaço para novas salas de aula!

Logo o que não pode ser feito no próprio bairro será deslocado para outro mais distante, e assim como quem mora longe dos grandes centros precisa viajar horas para chegar ao seu local de trabalho, estes bairros repaginados e superlotados também irão transformar-se em bairros dormitório.

O ser humano não foi feito para viver empilhado em gaiolas e pombais. O ser humano precisa viver em pequenas comunidades, onde possa manter relações sociais com o próximo, saber o nome, solicitar auxílio. Em grandes aglomerações o ser humano fica atomizado, perde o senso, o sentido, a conexão com a natureza e com o seu semelhante. As relações entre vizinhos de casas são muito diferentes das relações entre pessoas que vivem no mesmo condomínio. A vida de quem tem um quintal privativo é muito diferente da vida de quem tem um playground coletivo…

Um país tropical com tanta fauna e flora como Brasil não poderia condicionar seu povo a viver em cidades sem áreas verdes, sem quintal, sem hortas. Mesmo as pessoas que têm a oportunidade de ter um quintal não plantam flores, não cultivam alimento, ainda que em pequena escala. Aqui na Europa mesmo a comida custando pouco, muitas pessoas que dispõem de uma área verde plantam algum alimento, longe das capitais muita gente cria animais e cultiva comida, muitas vezes por lazer. No Brasil a população foi educada a pensar que é uma vergonha viver no campo, criar galinha no quintal, plantar um pé de alface, o chique é pagar muito caro e comprar tudo industrializado, cheio de agrotóxicos, hormônios, conservantes, corantes e demais substâncias químicas nocivas à nossa saúde e que beneficiam fortemente a indústria farmacêutica, que além de medicamentos, produz agrotóxicos e fertilizantes artificiais, transgênicos e outras substâncias que a indústria de alimentos utiliza para fazer seus produtos durarem até anos na embalagem sem estragar.

O Brasil tem um vasto território com grandes regiões desabitadas, concentra postos de trabalho e oportunidades em poucos locais, tornando-os pontos de aglomeração de pessoas, situação que repete-se em todas as capitais do mundo. Parece que a vida só acontece nessas grandes cidades, só há oportunidades nesses locais e quem não quiser uma vida vazia e miserável deve espremer-se neles. As pessoas passam a viver o mundo do trabalho e talvez do condomínio, não existe bairro, não existe comunidade. Vivem em bolhas, tornam-se alienadas e passam a analisar tudo com base em sua micro-realidade.

O problema começa quando os pequenos comércios e fábricas são substituídos pelas grandes empresas multinacionais. Se antes todos os bairros tinham seu comércio e indústria locais, agora esses setores concentram-se em partes específicas de grandes cidades, obrigando grandes massas de pessoas a deslocarem-se por longas distâncias diariamente, seja para suprir suas necessidades de consumo ou trabalhar. Se antes você podia trabalhar e comprar no mercadinho do seu bairro, agora só pode trabalhar e comprar no supermercado do centro da cidade, bem longe de onde você mora.

Isso explica porque não basta estar na cidade certa, mas também no bairro certo, pois dentro da mesma cidade são criados setores mais privilegiados que outros, gerando uma valorização artificial de alguns locais, que justifica os altos custos de moradia e serviços que são oferecidos  aos seus moradores. Logo, se há pessoas pagando 700 reais para viver em um cortiço de pobre, por que não seria aceitável que outras pagassem perto de mil reais para viver em um cortiço de classe média?

Planejamento urbano deveria ser mais amplo no sentido de distribuir pelo território Estadual e Nacional as empresas e serviços, atrativos de moradores em busca de trabalho. Sempre que uma grande empresa consegue um acordo com o governo para abrir uma nova sede, instala-se em uma grande cidade ao invés de ir para um local afastado e menor, atraindo moradores que iriam desenvolver uma micro-economia local, já que uma indústria quando atrai certa quantidade de pessoas, que resolvem se instalar próximo ao trabalho, irá gerar uma demanda por serviços que propiciará a abertura de pequenos comércios diversificados – cabeleireiro, padaria, sorveteria, loja de roupas e calçados, dentista, etc. A construção de condomínios fechados afastados das áreas urbanas também gera um deslocamento de pessoas prestadoras de serviços, como domésticas, babás, jardineiros, porteiros, zeladores…

Pouco a pouco as pessoas estão acostumando-se a viver em unidades habitacionais cada vez menores, a fazer tudo de forma coletiva e compartilhada e padronizar todos os aspectos de suas vidas, principalmente o consumo, pois o novo status do ser humano na nova sociedade que está sendo criada será o de consumidor, não mais de cidadão.

É definitivo na mente da maioria das pessoas que nossa geração é a mais avançada de todos os tempos, a que vive mais e melhor, com mais qualidade e abundância. É definitivo também que há uma rivalidade e oposição entre os sistemas comunista/socialista e capitalista/liberal.

Quando observamos esse vídeo com atenção percebemos que o apartamento compartilhado por cinco famílias tem espaço suficiente para ser dividido em unidades independentes, o que daria a cada família seu próprio apartamento, minúsculo, mas privado. É nítido que o intuito do governo na época era forçar as pessoas a viverem coletivamente, gerando com isso uma série de problemas sociais favoráveis ao governo, obviamente, as famílias ficavam mais entretidas com as dificuldades e conflitos do ambiente doméstico e não tinham tempo para perceber ou se interessar pelo que os políticos faziam.

Este trecho é do livro “A dialética do sexo”, escrito por uma feminista e socialista, a judia Shulamith Firestone.

Karl Marx (financiado pelos banqueiros Rothschild) dizia que a concretização do comunismo seria através do capitalismo. Sem perceber as pessoas estão perdendo pouco a pouco sua individualidade e excluisividade, que são justamente o que nos constituem como seres humanos. A padronização material, moral, intelectual e existencial do ser humano levará à destruição completa de nossa espécie.

No passado as pessoas contratavam um arquiteto almejando construir uma moradia exclusiva, feita de acordo com suas necessidades particulares e com estética diferenciada, hoje vejo vídeos e mais vídeos de arquitetos youtubers e me espanto como todos os projetos são idênticos, e são as pessoas que pedem assim, elas demandam pela padronização, pelo mimetismo. Ao invés de pagarem um profissional especializado para obterem criatividade, pagam para que esse profissional copie o padrão que viram nas casas dos amigos ou nas novelas. Parece que todos os arquitetos só conseguem clientes na Av. Paulista e todos esses clientes saíram de uma forma industrial. Gastam fortunas para reformar apartamentos minúsculos só porque fazem questão de estar ali, naquela localização “privilegiada”. As gavetas gourmet não foram abandonadas nem agora com a histeria dos “home-office”, outro modismo estúpido de classe média, que eles acham muito chique – qualquer mesa com cadeira num canto espremido vira a sensação do momento.

Por que uma criatura que pode trabalhar de qualquer parte do mundo faz questão e gasta tanto dinheiro, para comprar e reformar gavetas dormitório?

O novo sistema – tecnofeudalismo – será oferecido como um grande avanço para a humanidade, que irá solucionar todos os problemas ambientais, econômicos e sociais. O fim da propriedade privada obrigará todos a viver com coisas emprestadas pelas megacoporações, que irão substituir os governos. Ninguém irá pagar pela posse de um bem, mas pelo uso temporário e compartilhado.

Nesse ponto chegamos à explicação do anúncio imobiliário apresentado como tema principal do texto. Não se trata apenas de mais uma opção de moradia, mas de uma etapa de condicionamento, com o pretexto de solucionar um problema criado propositalmente.

Não acabou:

Você gostaria de poder viver para sempre em uma cela de um cortiço, pagando caríssimo e usando tudo emprestado e compartilhado?

Calma, o metaverso irá lhe oferecer um mundo maravilhoso bem diferente dessa realidade horrível, que ELES estão criando para te convencer de que o melhor a fazer para fugir desse mundo miserável e injusto é digitalizar-se, adquirindo a imortalidade virtual.

Aguarde.

Sugestão:

Publicado por amellocristina

Arquiteta e Urbanista

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